terça-feira, 26 de maio de 2009

SÉRIE: Cinquentenário do Estádio do Restelo - Capítulo I - 2ª parte

Capítulo I: Antepassados do Estádio do Restelo
2ª parte: as Salésias - Estádio José Manuel Soares

Em 6 Novembro de 1927 o Belenenses cumpriu a primeira parte daquilo a que se tinha proposto como afirmação de grandeza e vitalidade: inaugurou a sua sede na Rua da Junqueira (nº188 – 1º).

Funcional e bem apetrechada, dispunha de secretaria, um gabinete para a Direcção, sala de bilhar, sala de honra, sala de comissões, sala de jogos, sala de ping-pong e «bufete». Na ocasião distinguiram-se pelo seu suado trabalho: Joaquim d´Almeida, Jaime Alves, Henrique Chelmike, Júlio Crespo, Joaquim Rio, Miguel Buttuler, Manuel Barros e Alfredo Barros Ramalho. Note-se que dois deles eram jogadores do primeiro «team» de futebol…

Faltava ainda o campo próprio, mas os trabalhos, também pela mão de consócios, não cessavam…

O grande dia chegou no ano seguinte. Pelas palavras de Acácio Rosa:
«Alma de Almeida na construção do campo: Após esforços e sacrifícios de toda a ordem, tendo como alma criadora de todos os trabalhos o seu jogador Joaquim d´Almeida (a «Alma de Almeida»), o Belenenses inaugura as Salésias a 29 de Janeiro de 1928, num encontro com o Carcavelinhos para o campeonato de Lisboa».

Ribeiro dos Reis, figura proeminente do desporto e da F.P.F. (para além de posterior co-fundador do jornal A Bola) escreveu a propósito: «Não obstante a chuva que caiu durante a noite, o terreno de jogo estava excelente, o que demonstra o cuidado que presidiu à sua construção. O rectângulo do jogo é amplo e desafogado. O plano inclinado para os peões é o mais vasto de todos os nossos campos e, quando devidamente acabado, deve, em dias de grandes enchentes, produzir um magnífico aspecto. O campo ainda não tem bancadas. Provisoriamente foram utilizados para o efeito uns bancos corridos ao longo do «touch».»

Saiba-se ainda que o primeiro jogo foi disputado entre o Bom Sucesso e o Sporting, às 13 horas. O Belenenses estreou o seu campo às 15, vindo a vencer o Carcavelinhos por 4-2.

A reter, um nome indelével: Joaquim de Almeida. Jogador campeão, eclético, com as suas próprias mãos trabalhou na construção do campo (como já o tinha feito para a nova sede), até ao último dia, até ao último momento antes da inauguração. E não se esgotou nesta ocasião o contributo deste grande atleta em prol do Belenenses.
O Clube pulsava com os corações das gentes de Belém. Quando a equipa jogava fora, um dos jogadores mais queridos no bairro (Azevedo) largava um pombo-correio que diligentemente levava as notícias de vitória a casa, onde aguardavam os vizinhos, suspensos de ansiedade. Para levar os equipamentos Clube tinha ao serviço um burrico, que saía das Salésias, de madrugada, com a sua carroça (a Carris não autorizava o transporte). Pitorescos, por certo, estes retratos de uma dedicação extraordinária.

Não tardou o novo campo em ser consagrado com novos títulos: na época de 1928/29 o Belenenses conquistou os Campeonatos de Portugal e de Lisboa.
Com o desafogo, ensaiaram-se novas modalidades: surgiram o «Rugby», o Hóquei em Campo, o Ténis de Mesa e as aulas de Ginástica. Pouco depois o Andebol e mais tarde o Basquetebol. As Salésias acolhiam também, com carinho, o ecletismo.

O labor não cessou. Para erguer as bancadas em falta, a Direcção nomeou uma «Comissão de Melhoramentos», composta por Joaquim d´Almeida (de novo), Vital Jorge de Sousa, Jaime Alves, Fernando Nunes e Luís Teixeira… que não tardou muito em mostrar obra: em 21 de Junho de 1931 foram inauguradas bancadas em cimento armado. Obra pioneira, que os outros grandes clubes haveriam de esperar vários anos para ter igual – as suas bancadas eram ainda feitas de madeira.

Cada vez mais modernas, as Salésias depressa se fizeram mítico campo de glórias, albergue de novos e ímpares talentos do desporto português. Um deles, José Manuel Soares (mais conhecido como o «Pepe» - ídolo nacional, jogador de categoria internacional), viria a falecer em trágicas circunstâncias em Outubro de 1931, lembrando amargamente que a par das brilhantes vitórias caminhava uma teimosa sombra de infortúnio. Em 23 de Setembro de 1932 (aniversário do Clube) foi inaugurado um monumento nas Salésias em sua honra, da autoria de Leopoldo de Almeida e custeado por subscrição pública nacional. Vivia-se o luto, mas não mais se esqueceria o Pepe. Mal se sabia então, mas o monumento do «Pepe» estaria destinado a ser pétrea testemunha de uma era…

As melhorias nas Salésias, contudo, multiplicavam-se - qual recrudescida reacção perante a adversidade. Durante as gerências de 1932 a 1936 completou-se mais uma série de obras no campo (que já então passou a ostentar o nome do malogrado «Pepe»):
- Sobre a bancada central, prolongada em 50 metros, foi aberta uma bancada para os sócios, com lugares sentados e camarotes;
- Foi inaugurada a pista de atletismo em cinza, que pelo juízo da Direcção seria a melhor do país. A condizer, disputa-se o 1º torneio «Madrid-Lisboa»;
- Construiram-se cabines para os árbitros, arrumação dos equipamentos e o posto médico.

Em 1933 e em reconhecimento do seu valoroso serviço em prol do desporto, o Belenenses recebeu do Presidente da República a mais alta condecoração concedida a clubes desportivos...

...sendo agraciado como «Comendador da Ordem Militar de Cristo». Com novo Campeonato de Portugal conquistado, foi ano de especial rejúbilo. Em 1935, outra alta condecoração atribuída: «Oficial da Ordem de Benemerência».

O Campo «José Manuel Soares» era então o estádio com maior lotação de Lisboa. Em 22 de Março de 1936, mais uma obra de relevo: o Belenenses inaugurou as coberturas, tornando-se assim no primeiro clube a dispôr de bancadas cobertas. Enquanto decorriam as obras e estando impossibilitada a utilização do campo, um belo gesto para recordar: o Casa Pia cedeu graciosamente as suas instalações. No criterioso supervisionamento das obras, outro devotado dirigente: Salvador do Carmo. Entretanto e nesse mesmo ano faleceu João Luís de Moura, a quem se deveu a conquista das Salésias.

Ainda em 1936, a 16 de Dezembro, foi assinado um contrato com a Fazenda Pública permitindo a utilização de mais 9.800 m² de terreno com vista à construção de um campo de treinos. O Belenenses crescia.

Em 27 de Janeiro de 1937, porém, novas dificuldades. Um ciclone assolou Lisboa e destruíu por completo as coberturas das bancadas e camarotes. Não se detiveram em desânimo os Belenenses. Logo a 19 de Fevereiro principiaram as obras de reconstrução. Mas trabalhava-se em mais, adivinhava-se mais deslumbre.

Em 24 de Abril de 1937 ressurgiu, renovado e esplêndido, o Estádio José Manuel Soares, já incontestavelmente o melhor do País. Não só estavam reconstruídas as coberturas, como se construíra uma bancada de 3 metros em redor do campo; as instalações sanitárias e as cabinas dos atletas foram dotadas de condições de higiene e conforto nunca dantes vistas; estava pronto o campo secundário de treinos, algo raro ou único… mas mais que tudo isso, uma outra novidade era de pasmar: o Belenenses apresentava o primeiro campo relvado de Portugal!
Não havia igual, e disso deu conta a revista «Stadium», poucos dias depois (28 de Abril):

«A inauguração do estádio José Manuel Soares foi caracterizada pela imponência e brilho que o público emprestou à pugna Belenenses-Benfica, na qual os donos da casa arrancaram a vitória. Tarde de emoção e de consagração, ao esforço dos que pelo desporto muito fazem!!!

É imponente, tudo isto. O rectângulo verde, dum verde macio que faz bem à vista, que permite ver bem o que se passa em redor. Depois, um rectângulo complementar, cor de tijolo, que forma um contraste que realça ainda mais a mancha verde do tapete de relva. Em volta, como sulco aberto na cercadura de tijolo, a fita preta da pista de atletismo. O gradeamento, em branco e azul, dá ao terreno o aspecto curioso dum grande ring com o público debruçado sobre o campo de luta. Num dos lados, os gradeamentos limitam os alçapões de mágica por onde os jogadores aparecem e desaparecem…

A toda a volta, mas especialmente do lado da geral, um mar de cabeças, um mar que ainda não entrou em animar-se… Tranquilo, por enquanto. Um vento de bonança que talvez não chegue a acompanhar a ventaneira desenfreada que sopra nos camarotes… No topo de nascente - uma nota de cor, cor de rosa… São os pequenos do Asilo NunÁlvares, companheiros do Belenenses no aproveitamento da cerca do asilo. Há quem nos diga que o Belenenses vai oferecer bibes azuis à pequenada. Assim, estão melhor. A cor-de-rosa é a cor dos sonhos ainda ingénuos. E dá mais alegria ao campo quando os pequenos se agrupam para ver o jogo.»

Afixaram-se no Estádio placas que assinalavam a efeméride. Uma delas apelava ao orgulho dos sócios: «Belenenses Honrai o Símbolo do Nosso Querido Clube». Uma outra, com justeza, perpetuava gratidão: «Este campo foi mandado arrelvar pela direcção da F.P.F.A. de 1936/37. Dirigiu o arrelvamento o agrónomo J. McInroy (Os Belenenses agradecidos) em 24-4-1937».

O país pareceu render-se à nova maravilha do desporto português. A 9 de Janeiro de 1938 realizou-se o primeiro de muitos jogos da Selecção Nacional ali disputados. A 30 de Outubro do mesmo ano coube ao Belenenses a honra de receber no seu estádio o Festival Desportivo de Comemoração das Bodas de Ouro do Futebol em Portugal: cumpriam-se 50 anos sobre o célebre jogo da Parada de Cascais e a maioria dos intervenientes (alguns deles simpatizantes do Belenenses) esteve presente. Ali e naquele dia, mais que nunca, se honraram os autênticos pioneiros do futebol português.

De permeio, novas melhorias: o campo de treinos foi arranjado de forma a permitir competições oficiais das categorias inferiores de futebol, bem como a prática de outras modalidades desportivas; foi construída à volta do campo uma vala para escoamento das águas da chuva; foi aberto um furo artesiano (de 36,42 metros), para abastecimento de água para as regas e abastecimento dos balneários...

Estava feito um estádio de categoria internacional!